Conto: Dizem que voltei americanizado
(Explicação prévia: conto submetido sem sucesso ao concurso da Revista Piauí. Paciência. A ideia era brincar com a imagem de um certo Eduardo chapeiro que gosta de ouvir Oswaldo Montenegro. Vai entender.)
- Eduardo, meu filho
– e logo a voz perdeu a seriedade, Nunes rindo e apontando pra churrasqueira e pra
fumaça branca que saía – esse hambúrger é orgânico?
“Todas as famílias
felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Para uma
família feliz, use MasterCard” era o slogan proposto pelo sobrinho publicitário
de seu Nunes. A família e os vizinhos, em trajes de banho, bateram palmas ao
ouvir exemplar tão marcante da sapiência daquele rapaz.
- Du, cê tem o dom– disse
José, socando o primo no ombro numa demonstração de teste de masculinidade. O
ombro firme, metade crossfit, metade whey, nem se moveu.
- Nem tanto, mano, mas
valeu. Pensei nessa pensando nessa família linda que tenho.
Enquanto os mais jovens
viravam os olhos, os mais velhos, de barriga flácida sobre bermudas
descoloridas, balançavam a cabeça, demonstrando aprovação máscula, e as mais
velhas, de blusas brancas e chapéus de palha, seguravam ambas as mãos contra o
peito, enternecidas com aquele belo exemplar de menino que viram crescer.
Mas Mayara nem se deu ao
trabalho de revirar os olhos. Ela sabia de onde vinha a citação. Preferiu ficar
observando a piscina, mas estava estagnada. Olhou para Eduardo e resolveu
testar as águas.
- E como foi o
intercâmbio, primo?
Eduardo se reclinou e
colocou os braços atrás da cabeça, aparentando sossego. Havia aprendido com a
ex-namorada coach que uma pose de confiança gerava confiança.
- Foi muito bom.
Aprimorei meu inglês pra continuar vendendo pros gringos, mas só temos cliente
chinês. Nem consegui testar o inglês ainda direito.
- Pô, mas cê faz negócio
com comunista, Eduardo?
“Eduardo”. “Du”, “Dudu”,
“Duzinho”, vá lá. Até “Duzão”, que era só a mulherada e em um contexto
definido: quando usava regata e batia o PR do dia de crossfit. Mas Eduardo?
- Mas nem é eu, tio! Tá
todo mundo comprando deles! Na Flórida, a gente só comprava deles! Até os
americanos só compram deles!
- É por isso que esse
país não vai pra frente! Olha com quem cês têm que fazer acordo!
- Tipo os Estados Unidos?
Lá vinha a Mayara se
meter! Olharam pra ela com olhar de
isso-é-papo-de-homem-fica-quieta-no-seu-canto, mas nem deu bola.
Edu se sentiu mal por
ela: era linda, inteligente, mas tinha esse quê de provocar e... Epa, não, não
esse tipo de provocação agora, por favor... Ela com aquele queixo empinado,
como ela consegue ser tão confiante quando me dá tanto trabalho e diarreia...
Opa, por favor, não, não me provoca, garota!
Edu se levantou e pediu
licença pra pegar uma cerveja em casa. Acharam estranho, já que tinha um cooler
ali, mas valha, talvez estivesse cansado daquelas Pabst Blue Ribbon que tinha
trazido e resolveu ficar mesmo com a Skol. Tia Neide pensou, “ah, o coração
patriota se denuncia pelo estômago!”
Tio Nunes, ainda tentando
processar quão inconformado estava com seu sobrinho Duzinho, foi colocando mais
carne na churrasqueira, incluindo uma diferente que veio com as cervejas do
sobrinho. Não era um menino mau, se esforçava muito. Não fosse pecado – e não
fosse sua filha ser chata -, podia ser mais família ainda pois era como um
filho pra ele.
Mayara fez o mesmo que
Edu, mas sabendo que não iam ouvir. Foi acompanhando os pingos pelo chão da
casa (“como ele sua!”) até dar no quarto de hóspedes. Bateu na porta – sem
resposta. Abriu a porta aos poucos e deu com algo inesperado: Eduardo rolava
pelado na cama segurando a capa do vinil do álbum Oswaldo Montenegro e
cantando, “ela teimou e enfrentou o mundo / se rodopiando ao som dos
bandolins”. Na volta seguinte pra porta, deu com Mayara cho-ca-da, pôs a
capa escondendo as partes pudendas e levantou a mão:
- Não, eu posso explicar!
Mas a prima já corria e
ria indo na direção da piscina pra contar a boa-nova: Duduzin curtia MPB! Essa
entraria pra história da família! Sentiu uma mão agarrar-se ao seu braço,
puxando-a, Edu pedindo silêncio.
- Me escuta: eu me
desviei, é verdade. Achei esse álbum numa loja em Orlando – pronunciava
Our-landou – e queria revender aqui, mas aí eu ouvi a música e... Fiquei
encantado!
- E que mais cê fez lá?
Fala, se não eu falo pro pai.
- Ah, eu fumei uns
baseados também...
- Nossa!
- Mas só por lá! Era
hidropônico e permitido!
- Na Flórida?
- Não, na Califórnia –
pronunciava Qué-li-for-ni-á. – Foi só um fim de semana! Por favor, não conta
pra eles. Já basta eu ter trazido aquela carne direto do aeroporto, no maior
risco de ser pego, não sabia que iam me buscar...
- A carne importada?
Foi então que ouviram uma
risada. Outra. Mais uma. E não eram gargalhadas, eram risadinhas. As risadinhas
que Mayara dava às vezes...
- Edu, aquilo em cima da
sua carne era orégano?
Correram para a piscina e
deram com uma cena tão infame quanto aparecer nu ao lado de uma prima: a
família e os vizinhos comendo pão com carne e dando risada. À visão de Edu nu,
riram ainda mais. Tio Nunes batia forte de punho fechado enquanto dava seus
risinhos e Neide chorava de rir. Nunes puxou o ar um pouco, fez cara de sério e
disse, com voz ainda mais séria:
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