Resenha: Back in the USSR, de Fábio Fernandes


1981.
O Tupolev pousa no Aeroporto Internacional de Sheremetyevo no começo da noite.

O título do livro na capa é acompanhado de uma informação extra, curiosa: um thriller surrealista. Por quê? A pergunta é válida considerando que a ficção científica permite diferentes abordagens – como a Futuro Infinito, editada pela Patuá, tem demonstrado, também neste caso -, incluindo a ideia da história alternativa. Obras clássicas como Ada ou ardor, de Vladimir Nabokov, e O homem do castelo alto, de Philip K. Dick, exploraram as possibilidades das mudanças nas minúcias – este último até em termos da escrita do romance, como um Reparação ou História do cerco de Lisboa, mas divago. Ocorre que a própria ficção científica tem um quê de surreal.

A ficção científica é construída em cima das possibilidades e potencialidades do mundo que se forma e que pode ou poderia ser. Do soft ao hard scifi, a medida da credibilidade cabe ao acordo estabelecido com o leitor e quão imerso ele pode estar - ou alguém acha mesmo que todo leitor do Universo Expandido de Star Wars sabe o que é um ABY? Mas o efeito da imagem, do simbolismo, do ilógico, daquilo que é inapreensível pela experiência concreta do cotidiano, tudo isso ainda mantém sua força e é disso que o romance de Fábio Fernandes se alimenta.

Na trama de Back in the USSR, John Lennon não morreu – melhor dizendo, foi ressuscitado através do Método Frankenstein® - sim, as leis de direito autoral são levadas muito a sério nesse romance. O problema é que a) ele não queria, e b) ele não sabe a razão pra ter sido ressuscitado.

- Foi uma medida muito prudente dos seus empresários. […] O seguro de vida que eles assinaram por vocês quatro anos antes do fim do grupo incluía a utilização do Método® pelo menos uma vez para cada um.

A empresa que realiza o método, Ewigkeit, possui um controle quase total sobre o destino da humanidade, “orientando” governos a assumirem políticas necessárias ao seu domínio, que façam a população desejar ser ressuscitada antes de tudo – e mesmo passar por cima daqueles que querem preservar a autonomia de seus corpos.

- Vocês estão me prendendo aqui, porra!
[…]
- Não, herr Lennon, de jeito nenhum. Estamos apenas mantendo o senhor vivo.

Os capítulos da vida de Lennon vão e voltam, num embaraço de memória que expõe que há mais problemas além da questão da ressurreição indesejada. Ao mesmo tempo, conforme Lennon apreende a Nova Vida, descobrimos como o mundo chegou àquele status quo, que vão contando desde o uso de ressuscitados na Primeira Guerra Mundial – aliás, numa “reprodução” de capítulo de Nada de novo no front, de Erich Maria Remarque – à história da febre de suicídios para uma ressurreição posterior – afinal, tendências também ilustram a mentalidade social de um povo.

Digo mais que o que torna o romance esse thriller surrealista é quão espontâneo tudo soa na escrita do autor. Mas não se enganem: é um romance coeso e que faz um questionamento sobre as amarras da pura experiência onde tudo ganha um simbolismo corporativo.

Fábio Fernandes é professor, tradutor e escritor. Escreveu os romances Os dias da peste (Tarja Editorial) e Oneironautas (Patuá, em parceria com Nelson de Oliveira), além de ter contos editados em antologias no Brasil e no exterior.

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