Resenha: Fanfic, de Braulio Tavares
“A palavra fanfic
é uma
abreviação de fan
fiction, e se
refere à ficção escrita por fãs de um autor ou conjunto de
autores, utilizando, sem pedir autorização, elementos criados por
eles. […]
Toda literatura
nasce tanto da vida quanto da própria literatura, de modo que não
acho que esteja exagerando quando chamo de fanfic
esse conjunto de contos escritos como resultado da leitura de
histórias alheias.”
Ou:
Enxugando Três Parágrafos em Um Só. Ma
perche? É
que depois de três romances, o quarto livro – não em ordem
cronológica de lançamento, mas de resenha por este que vos fala –
da coleção Futuro Infinito, da Editora Patuá, vem a ser uma
coletânea de contos escritos por Braulio Tavares ao longo de
décadas, alguns já editados e outros inéditos. Mas de onde vem um
título tão chamativo como esse? E por que a leitura do livro parece
destoar da proposta do título, embora só pareça? Como diria o
saudoso Goulart de Andrade, “vem
comigo”.
Assim
que o leitor passa ao índice, vem um choque: alguns contos tem
títulos como Finegão
Zuêra,
Haxan,
The Ghost in the Machine,
Gronk,
com referências claras a obras conhecidas – respectivamente James
Joyce, Benjamin Christensen, Arthur Koestler, Robert A. Heinlein -,
em meio a outras que se referem a um linguajar que vemos recorrente
nos gêneros da ficção científica: A
Propósito da Difração Quântica nas Regiões Periféricas da
Consciência,
A República do
Recurso Infinito,
Fenda no
Espaçotempo,
Universos Tangenciais etc.
Os títulos, para quem já tem familiaridade com as obras, já
adiantam ao leitor o que esperar – por exemplo, Finegão
Zuêra faz
uso de uma linguagem joyceana, a balbúrdia polifônica do clássico
Finícius Revém,
ou Haxan,
que assim como Christensen se utilizou da obra Martelo
das Bruxas
para explorar a crendice do Medievo europeu, nas mãos de Tavares é
uma exploração do folclore brasileiro na era da realidade virtual.
Lá pelo meio do livro, contudo, o leitor encontra em contos como A
estética eliminacionista e A demanda do bosque sombrio algo
diverso da maior parte do conjunto. Vide um exemplo d’A
estética:
“‘É insensato produzir uma obra de arte a partir do Nada. A
única trajetória possível é partir do Aléphico Todo e erodi-lo
até deixar apenas a obra, a que chamaremos o Significante Resíduo.’”
É um trecho que tem algo de Jorge Luís Borges, mas também de
manifesto literário. É ousado dizer que essa leitura de que tudo
remonta a um palimpsesto original é a forma como Tavares encara a
escrita, em conjunto ao trecho da Nota do autor acima.
A inclusão de um conto como A demanda do bosque sombrio após
o leitor percorrer veredas virtuais cria primeiro estranhamento, e
então curiosidade. É um conto que remete ao romance de cavalaria e
que se conecta ao livro de algum modo. Como? Pegue Finegão Zuêra
e encontrará uma personagem chamada Trupizupe, um cantador
criado por Braulio Tavares. A ligação ocorre quando lembramos que
os temas dos romanceiros, principal influência do cordel, remete ao
romance de cavalaria, dentre eles A demanda do Santo Graal. E
de repentemente, o que é contemporâneo é passado, palimpsesto
passado a limpo e rascunhado novamente – fanfic com traços
de significantes resíduos.
Ainda
haveria muito a dizer com contos como A
Propósito da Difração Quântica nas Regiões Periféricas da
Consciência,
em
que há uma experimentação textual referente ao papel – e
provável interferência - do observador segundo a física quântica,
ou Gronk,
um fragmento de vida absurdo no contato com seres extraterrestres –
algo que lembra a crônica Ylla,
d’As crônicas
marcianas,
de Ray Bradbury -, ou o mais longo texto presente da coletânea, O
molusco e o transatlântico,
que parece uma homenagem à obra de Arthur C. Clarke.
Para
quem não conhece a obra de Tavares – e isso inclui o recém-chegado
na ficção científica brasileira aqui -, Fanfic
me parece um ótimo início.
Braulio
Tavares
é escritor, compositor e tradutor. Suas obras incluem A
máquina voadora
(Rocco),
Sete monstros brasileiros
(Casa da Palavra),
78 rotações
(Jovens Escribas) e o clássico
O que é ficção científica?
(Brasiliense), além de canções como
Meu nome é Trupizupe (recentemente
regravada por Zé Ramalho),
Na pressão
(c/ Lenine e Sergio Natureza) e
Miragem do porto (c/
Lenine). Seus artigos sobre diversos temas são publicados no blog
Mundo Fantasmo.
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