Resenha: Matando gigantes, de Claudia Dugim


- Que beleza!

A expressão sai da boca de Uor, um guerreiro minúsculo que faz parte de uma raça que mistura características humanas com as de insetos. Essa raça está numa guerra – desde que se lembram – contra os gigantes, que teriam sido responsáveis pela destruição de sua terra natal. A sociedade dos pequenos vive para essa guerra, mas logo o leitor descobre quem são os gigantes: nós, que iremos embarcar numa nave daqui a mais de um século para um novo planeta.

Matando gigantes entra na sub-categoria de space opera da ficção científica, caracterizada por viagens espaciais, melodramas, exotismo, conflitos decisivos. Neófito que sou no gênero em nosso país – que, aliás, já rendeu volumes intitulados Space Opera, lançados pela editora Draco, e que tem um de seus maiores expoentes em Roberto de Sousa Causo -, fiquei surpreso ao pegar o romance de Dugim - mais um lançamento da coleção Futuro Infinito, publicada pela Editora Patuá - e descobrir que era disso que se tratava. Como, afinal, se escreve uma space opera à brasileira? No caso de Dugim, muito bem.

Se de um lado acompanhamos os irmãos Uor e Gus, um “conhecedor” - intelectual, cientista, etc. -, na luta e tentando entender quem são os gigantes, do lado dos gigantes temos os conflitos clássicos de classe, etnia e nacionalidade rolando dentro da nave Frontier. Essa parte dos gigantes é acompanhada pelo leitor com duas personagens, o policial Nicolau e a ativista Claire, que tentam entender porque há vários corpos aparecendo na área haitiana da nave com membros cortados. Ambos estão cientes que as tensões da velha Terra permanecem.

Embrulhados em plástico para preservação cultural, colocados na geladeira do tempo, transformados num amálgama estereotipado e inócuo do que foram os seus antepassados.

A situação só piora conforme o tempo passa e os ataques dos pequeninos geram dúvidas se não há uma conspiração ainda maior dentro da nave – e é difícil não dar razão a essa possibilidade, mesmo que o leitor saiba da existência dos pequeninos. É que a paranoia e o “baú de pólvora” estão bem à vista na nave, espelhando a história do mundo.

Os capítulos se alternam entre esses diferentes mundos, mostrando como funciona cada sociedade e os múltiplos interesses das personagens: coesão, compreensão, presunção, tesão, revolução etc. A busca pela verdade fará com que os lados se choquem, mas também com que todos os lados caiam uns sobre os outros. A ideia do Paraíso a enésimos palmos de corpos alheios é uma tentação múltipla.

O romance de Claudia Dugim explora a questão das várias camadas de identidade de um ser – vide o caso dos gêmeos Qurd e Lurd, que não se encaixam entre os pequeninos por serem altos, ou o contraste de Nicolau com a comunidade haitiana-brasileira quando resolve aderir à causa rebelde, ou mesmo Gus, que não consegue deixar de lado seu desejo de conhecimento para aderir ao combate simplesmente porque isso concede prestígio. Ao suspendê-los espacialmente (BADUMTSS!), a autora cria seu microcosmo da vida e da história humanas, estando mais alinhada às distopias contemporâneas que às utopias que sonhavam os que viram o Sputnik ir pro espaço.

Claudia Dugim é professora e escritora. É autora também dos livros Rede Vermelha Sobre o Oceano de Merda e outros contos e O Desejo de Ser Como Um Rio e outros contos (autopublicação em ebook)  sobre o último, o conto que dá nome à coletânea foi indicado ao prêmio Argos de Melhor Conto em 2018.

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