Reflexões Rápidas: Divino Amor, de Gabriel Mascaro

Divino Amor, de Gabriel Mascaro, é um bom filme. Trilha sonora é ótima, bela fotografia, ótimas atuações, mas tem algo que incomoda: a narração. A narração destrói o filme ao querer passar uma mensagem desnecessária. Vi críticas e resenhas chamando o filme de "distopia evangélica", mas nada além da narração passa isso. (Sim, temos os letreiros vinculando Deus e Nação, mas isso é um dado muito fraco considerando que ainda usamos crucifixos em ambientes públicos.) O fato de estarmos cercados de ícones neopentecostais o tempo todo apenas expressa um recorte na realidade da protagonista. O enredo fala sobre uma escrivã evangélica que sonha em dar à luz e que, volta e meia, tenta reconciliar casais de divorciandos indicando-os a um culto cristão com foco exclusivamente matrimonial. Contudo, a infertilidade do marido impede esse sonho... até acontecer algo bem estranho. O filme deixa bem claro o crescimento e o envolvimento dos neopentecostais na sociedade brasileira, bem como a forma como eles conseguiram alcançar tantos fieis ao adaptarem práticas alheias ao seu próprio culto. O sincretismo mais simples no filme envolve uma rave gospel - o que me lembrou do funk gospel do regular Mate-Me Por Favor -, mas alcança níveis estranhos - embora não difíceis daqui a algum tempo - ao envolver de um drive-thru de oração - embora eu ache que a IURD tem um - até uma troca de casais gospel. É, foi essa minha reação também. Só que a trama não envolve pressão social ou religiosa, mas a própria fé da protagonista. O desejo dela é genuíno, seu desconsolo, semelhante ao de Ana, é reconhecível. 2/3 do filme envolvem a crise de fé em que se encontra, sendo o último terço um sinal diferente do imaginado. Como em Europa 51 onde uma mulher descobre que pode curar pessoas em pleno século XX, sem mais nem menos, de repente algo fantástico desafia a idealização religiosa tanto da protagonista como daquela sociedade - mas para nisso. Não há tanto risco para ela como haveria para Maria no século I ou para Tamar no século vai-lá-saber. Se o filme focasse apenas na fé da personagem - aliás, protestantes vão torcer o nariz, mas é a melhor personagem protestante que já vi em filmes em muito tempo, cês precisam mesmo aprender a fazer cinema -, beleza, seria um filme ótimo. Mas não, precisava pregar pra convertido - essa foi a falha mortal do filme. Eu gostaria muito de vê-lo editado sem essa narração: seria um filme maravilhoso sobre uma mulher crente que acha que Deus não a ouve apesar de tudo que ela tem feito e que de repente se vê em posse de algo maior do que o que ela pediu, ao mesmo libertando-se.

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