Reflexões Rápidas: O Cobrador (conto), de Rubem Fonseca

1) Me deixou dividido: por um lado eu gostei da falsa anima que ensina o Cobrador a direcionar seus esforços, mostrando que nem todo ato de destruição é impensado; por outro, se eliminasse a personagem, o que teríamos no Cobrador seria um "martelo" contra o animal sociopolítico, que abraça o abjeto como missão. Particularmente, me interessava mais explorar quão tênue é esse equilíbrio - a alternativa parece uma repetição de certos idealismos niilistas, até me pergunto se Palahniuk leu Fonseca antes de escrever Clube da luta.
2) O que me atrai na ideia do "martelo" é a inserção de pequenos poemas no texto - isso me remeteu a dois autores: Rilke e Nietzsche, ambos exploradores do fenômeno do outsider e que convidam o leitor a perceber e conceber o Belo e o Sagrado sem a necessidade do metafísico - perceba o mundo com seu olhar e o reestruture para ser digno dessa Beleza. O Cobrador, enquanto age sozinho, volta e meia cita um poema de cabeça como se fossem aforismos de um manifesto. Ou seja, o projeto que ele possui é um, mas isso fica oculto do leitor - o que é bom, porque deixa claro que seu personagem não é um mero niilista.
3) Agora que peguei por Nietzsche, matando Deus - o que implica matar a ontologia social - abre espaço para uma renovação. Agora, se há um projeto prévio de destruição, isso enfraquece a narrativa porque - repito - pensamos automaticamente em idealismos prévios. A visão do Cobrador de si como um "santo mortificado" - o que lembra a ideia do louco por Cristo - parece mais um discurso vitimista de incel babaca. O projeto que ele abraça no final deixa de ser uma guerra contra o que a humanidade representa - pois para ele se trata de expor o abjeto, o animal, o irracional em nós - e vira apenas (!) uma chacina.
4) Uma coisa que se aproveita bem desse conto é a narração em primeira pessoa: é uma protagonista que não pausa em ir cada vez mais baixo. A destruição é tão algo seu que Fonseca em um momento não diz , "eu atirei", mas "disse puf". Não há pausas para elaborar vida prévia ou justificativas para os atos - ele é uma força destrutiva da natureza e poderia terminar bem assim.

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