Reflexões Rápidas: A Longa Caminhada (Walkabout), de Nicolas Roeg

A Longa Caminhada pode ser descrito como um filme envolvendo duas crianças brancas e um aborígine caminhando pelo deserto. O problema dessa descrição é que vocês vão lembrar de um certo filme com Reese Witherspoon que passava na Sessão da Tarde e eu quero evitar isso ao máximo - até porque o filme se passa na Namíbia, enquanto que Longa... é australiano. Mas basicamente, a trama do filme é essa: duas crianças deixadas para morrer pelo pai no deserto australiano e que tentam encontrar o caminho de volta para a civilização, no meio do caminho encontrando e contando com a ajuda de um rapaz aborígine que está fazendo seu próprio rito de iniciação. O deserto que os três atravessam se torna uma metáfora de amadurecimento e crescimento para eles: os dois mais velhos descobrirão a sexualidade e o mais novo aprenderá a desenvolver resiliência. Tudo isso é realizado com o mínimo de diálogo possível, Roeg usando olhares, gestos, sequências rápidas de elementos diferentes para ilustrar os sentimentos e fases das jornadas paralelas. O grande conflito do filme está entre o desejo de retomar a vida anterior, organizada, urbana, e o de abraçar a natural, distante das preocupações sociais. Essa tensão volta e meia transparece na forma como a moça e o rapaz se portam, apontando para um desfecho trágico. A forma como o mais novo vai abraçando a vida natural aos poucos mostra uma infância ainda não domada pela sociedade. A evocação dessa ideia é construída com tomadas que exploram as paisagens australianas e conduzem os protagonistas a se tornarem parte delas, a abraçarem, contrastando com a urbanização e ritmo absurdo de vida que vemos no começo do filme. Para tanto, Roeg faz cortes rápidos da cidade lotada e do deserto vazio para explorar outro ponto: o vazio de sentido. O desespero do pai suicida que os abandonou e a falta de contato social, as preocupações bestas, acabam produzindo uma realidade desconfortável, onde a vida é mera função mecânica, enquanto que a exploração do deserto reforça o desejo de viver do trio. Entretanto, a intromissão social é mostrada em cenas chocantes como o assassinato a sangue frio de animais por caçadores brancos apenas por esporte - os aborígines caçam pra se alimentar, e mesmo travam uma luta corporal para isso - ou o entulho metálico das minas abandonadas. O desejo de paraíso que acompanha o rapaz o impede de guiá-los diretamente a pontos ditos "civilizados", como a casa de um fazendeiro que explora os aborígines e vende sua arte. Temos então um filme que por meio de abstração desenvolve suas personagens e jornadas mas também relata a história da Austrália sem precisar ser didático ou explicativo. Nada disso poderia ser realizado sem um ótimo trabalho de fotografia e aqui o mérito vai mais uma vez para Roeg, que tem um olhar incrível para pegar detalhes como a formiga que fura a areia para mostrar a vida vencendo tudo ou acompanhando o ritmo de David Gulpilil, o ator aborígine mais famoso do mundo, nas cenas de caça, mostrando a intimidade necessária ao caçador que respeita o momento da caça e sua presa. (Sim, é um filme que vai chocar vegans e vegetarianos.) Volta e meia o filme vai nessa comparação entre o alheamento social e a intimidade ideal no todo. Gulpilil e Jenny Agutter, que vive a irmã mais velha, têm um encanto em cena e vendem a tensão sexual e social que notamos no decorrer do filme. Agutter, principalmente, sabe como vender a imagem de alguém que precisa disfarçar o desejo, e percebemos que na fala dela há uma incerteza se o que ela faz é pra proteger o irmão mais novo ou se proteger, evitando abraçar o ideal natural. Numa época em que ainda não se usava steadicam, Roeg tem a preocupação de usar a câmera em panorâmicas que reforçam a necessidade de olharmos tudo pela perspectiva das personagens, fugindo do modo narrativo clássico. John Barry, compositor de trilha sonora de vários filmes da franquia 007, surpreende com músicas mais suaves e que ajudam a elaborar o tom quasi-onírico que o filme ganha em alguns momentos. É um filme visualmente bonito e triste, uma versão cinematográfica do poema 40 de AE Housman, "That is the land of lost content, / I see it shining plain, / The happy highways where I went / And cannot come again." (Um belo de um anti-Wordsworth, hein?) Recomendo com vigor.

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